O “quadrilátero sagrado” é o nome dado a um conjunto de ruas e quadras da região central da cidade de Lorena no interior de São Paulo, que abriga importantes prédios históricos e igrejas centenárias, que se inserem como importantes ícones da história brasileira.
Tesouros a céu aberto
O “quadrilátero sagrado” refere-se ao espaço consagrado pela população de Lorena ao longo de mais de três séculos. Tem como origem a realização da “Festa da Padroeira”, um repositório de expressões de fé, devoção, costumes e tradições, atualizadas num conjunto de práticas concretas e visíveis que permitem o acesso ao sagrado. Tendo como ponto alto de manifestação religiosa a novena, as missas e a procissão, que ao passar pelas ruas e praças do centro da cidade, foi desenhando no inconsciente coletivo o “quadrilátero sagrado”. Fato tão significativo que tornou usual, por parte dos moradores dos bairros, mesmos àqueles que residem nas ruas mais próximas da Catedral dizer ao sair de suas casas: “vou à cidade!” A cidade corresponde exatamente ao espaço contido entre as ruas por onde passa a procissão de 15 de agosto.
Na atualidade ele corresponde ao itinerário percorrido pela procissão de 15 de agosto. A organização do corpo da procissão tem início na rua lateral da Matriz e segue sentido contrário à frente da Catedral, que está de costas para a cidade. Caminha pela rua da Piedade, contorna a praça Dr. Arnolfo Azevedo, sobe a rua do comércio, Dr. Rodrigues de Azevedo, hoje alterada em função das obras do calçadão, dobra à direita na rua São Benedito, desce a rua D. Bosco, a rua Carlos Autran e contorna novamente à direita, já entrando pelo centro da praça Nossa Senhora da Piedade, em direção ao interior da Catedral, sempre acompanhada de cânticos, louvores e foguetórios.
O Santuário de São Benedito
No espaço do “quadrilátero sagrado” da cidade de Lorena destaca-se o edifício do Santuário Basílica Menor de São Benedito. Um monumento de estilo neo-gótico considerado uma joia arquitetônica da cidade, a única Basílica dedicada ao santo em todo o hemisfério Sul. Um espaço sagrado, dirigido pelos sacerdotes salesianos, que congrega ricos e pobres, negros e brancos e os devotos em geral de São Benedito.
O edifício do Santuário constitui um prédio singular na arquitetura urbana apresentando, segundo Cláudia Rangel, profissional responsável pelas obras de restauração e conservação do Santuário São Benedito entre os anos de 1997 e 2000, as seguintes características: uma construção predominantemente neo-gótica, definida principalmente pelos arcos ogivais (conduzindo o olhar do observador para o alto, reforçando a percepção da altura e leveza deste tipo de construção) e os vitrais.
Outros elementos ainda se destacam, como: uma grande cúpula abside, pilares com capitéis em estilo coríntio (estilizado), querubins, faixa decorativa com elementos fitomorfos, pintura parietal, nichos, marmorizado das colunas (original), naves centrais e laterais (esta ultima em dois níveis) conferindo à construção um grande ecletismo no que tange aos elementos decorativos. Vê-se também, a forte influencia do rococó e do neoclássico, tanto nos aspectos das pinturas decorativas, como também pela própria procedência das imagens sacras de madeira policromada, que se integram à decoração de todo o conjunto”.
O prédio da Basílica foi projetado pelo arquiteto Charles Peyronton sendo inaugurado em 14 de fevereiro de 1884 com grandiosa festa, missa solene, procissão, concursos de bandas da região e muita diversão para a população. A partir de então passou a ser centro de visitação, oração, de grandes cerimônias religiosas e palco da celebração das festas em louvor a São Benedito. Serviu ainda como matriz da cidade, abrigando a imagem da Padroeira, Nossa Senhora da Piedade, entre os anos de 1886 e 1889, quando a Catedral passava por reformas. Desde o ano de 1917 está agregada ao Vaticano como Basílica, podendo distribuir aos fiéis que a ela acorrem, os mesmos benefícios e indulgências que a Igreja Romana atribuí a determinadas datas comemorativas, concedendo àqueles que recebem os sacramentos da confissão e da eucaristia, a expiação de suas culpas e o alcance de graças nos dias santos. Sob a coordenação da Irmandade de São Benedito celebra, por mais de 150 anos, a tradicional Festa em Louvor ao Glorioso São Benedito.
A festa, ao contrário de outras cidades da região, onde é celebrada na segunda feira da Páscoa, ocorre em outubro, em data próxima ao aniversário natalício do santo padroeiro. O Santuário de São Benedito constitui um dos mais expressivos “lugar de memória” da cidade de Lorena. Ele exprime com lucidez e emoção, as práticas sociais e culturais dos devotos e de todos aqueles que frequentam o belo espaço em que está situado. Faz parte da memória coletiva, guarda as mais ricas tradições e compõe a identidade cultural dos lorenenses.
O Palacete Veneziano
No espaço do “quadrilátero sagrado” da cidade de Lorena, na antiga Rua do Comércio, hoje D. Bosco, destaca-se pela sua singularidade e beleza o edifício do Palacete Veneziano. Com sua suntuosa escadaria fica situado em meio a um vistoso jardim que dá ao local aspecto agradável e pitoresco.
Ele foi construído no lugar do antigo casarão, que teria sido edificado na década de 1850, pelo Comendador, depois Barão de Castro Lima. Imponente, o sobrado apresentava um recuo em relação à rua, com um jardim em sua frente e cercado por um gradil, possuindo três portas e seis janelas na parte térrea e nove janelas com sacada no piso superior. Depois da sua morte, em 1896, o sobrado passou por diversas mãos, até ser finalmente derrubado no início do século XX. No seu terreno foram edificadas duas pequenas casas, que em 1919 foram adquiridas pelo Dr. Machado Coelho: Machado Coelho, homem de posses, residente na cidade do Rio de Janeiro, culto e viajado, mandou construí-lo no ano de 1919. O projeto de sua construção é de autoria do arquiteto e engenheiro Francisco de Paula Ramos de Azevedo. A arquitetura veneziana é singular. Ela abandona a rigidez geométrica do Renascimento à qual antepôs a suave modelagem e a difusão contornos na luz.
O exterior e o interior do Palacete são por esta razão rico em detalhes que podem ser observados na sua parte frontal, nos arranjo das paredes e divisórias, na disposição dos diversos cômodos e nas escadas que dão acesso ao andar superior. O imóvel foi posteriormente vendido ao Cel. José Olímpio Ferreira, com todos os móveis e alfaias. Seus herdeiros mantiveram as suas características e o venderam mais tarde à Congregação Salesiana. Em 1952, por ocasião da instalação da Faculdade Salesiana de Filosofia e Letras de Lorena, hoje UNISAL, ele foi escolhido para ser o pavilhão principal da faculdade. Para tanto foram feitas reformas e adaptações necessárias com a adaptação de seis amplas salas de aula, local para serviços administrativos, como secretaria, escritório para reuniões da diretoria e ambientes de lazer, conservando-se a parte frontal e o estilo original.
O imóvel era descrito como “construção artística interior e exteriormente torneados de jogos arquitetônicos. Grande escadaria exterior de mármore, cúpula e três sacadas e um alpendre. O material de todas as supraditas construções é de tijolo e cimento armado.” O elegante e confortável palacete, contendo vasta dimensão passou a ser a partir de então sede da Faculdade Salesiana. Um centro de saber e educação dirigido pelos seguidores de D. Bosco. Um lugar agradável e aprazível para os alunos. O aspecto físico e o ambiente proporcionado pelo local influenciava a todos que ali estudavam. Alguns dos ex-alunos recordam que no intervalo das aulas costumavam e adoravam deitar no jardim e olhar as estrelas no céu. Atualmente abriga setores administrativos, a sala de recepção, de reuniões e o tradicional curso de História. O Palacete Veneziano é um prédio singular na arquitetura urbana. Um expressivo “lugar de memória” da cidade de Lorena e do projeto salesiano para o ensino superior.
A Igreja do Rosário
No “quadrilátero sagrado” da cidade de Lorena além da Igreja Matriz, do Santuário Basílica Menor de São Benedito destaca-se outro templo religioso: A Igreja do Rosário. Um dos principais patrimônios da cidade quer pelas manifestações de fé da população, quer pela sua imersão na História local. A Irmandade da Senhora do Rosário foi iniciada em 1718, no início do povoado, composta pela maioria de negros e negras, escravos ou livres. A capela dedicada à Santa, no entanto, só foi construída no início do século XIX.
Ela ficava localizada junto ao centro político-administrativo da Vila tendo à sua frente o Pelourinho e o edifício da Casa da Câmara e Cadeia, local que passa a ser conhecido como o “largo do Rosário”. A capela tinha a porta principal para o ocidente e os fundos para o oriente, toda de taipa de pilão, com torre a entrar pela parte esquerda. Possuía corredores do lado do corpo da igreja, Sacristia e contava com oitenta palmos de cumprimento, e quarenta e nove de largura, com Capela-Mor do Arco ao Altar.
A Capela era forrada e rebocada, como também a CapelaMor, tendo sido benta aos 26 de Dezembro de 1.813. Saint-Hilaire, naturalista francês, ao passar pela localidade no ano de 1822 registrou a sua presença no cenário da Vila ao anotar que: “A igreja paroquial forma um dos lados da pequena praça quadrada. Em outra praça irregular, e ainda menor que a primeira fica a segunda igreja dedicada a Nossa Senhora do Rosário. Esta foi a única que visitei. Não tem dourados como as igrejas de Minas, e unicamente se adorna de pinturas bastante grosseiras.”
A simplicidade do edifício, em contraste com as riquezas ostentadas pelas igrejas das vilas mineiras, seria superada pela manifestação das virtudes e fé de seus frequentadores. Nas primeiras décadas do século XIX serviu por mais de 30 anos como Igreja Matriz, de forma provisória, enquanto se reformava a Igreja da Piedade. Ao final do mesmo século aumentaram as orações e manifestações religiosas neste templo motivados pela circular expedida pela Santa Sé, no pontificado do Papa Leão XVII, para que se solenizasse a festa de N. Senhora do Rosário durante o mês de outubro, com novenas, missas, preces, procissões, exaltando o fiéis a recitar o rosário para o que concedia indulgências e bênçãos. Em 1874, devido ao estado de precariedade de algumas paredes e da torre teve início à campanha para a sua reedificação. Nela se envolveu a comunidade por intermédio de seus líderes e benfeitores da Igreja sob a coordenação do vigário da época.
A construção do novo templo teve início em 1886 e foi concluída e inaugurada no ano de 1919. A nova capela em estilo neo- clássico tem forma de cruz grega, como se pode ser vista em nossos dias. Como complemento das obras no ano seguinte foi inaugurada a Casa da Capela do Rosário. O local cresceu em termos de significado e importância quando passou a abrigar o “Grupo de Oração Tia Laura”. Um trabalho religioso que tomou grande proporção advindo da força de oração e das manifestações milagrosas que foram ocorrendo. Em Lorena chegavam fiéis de várias partes do Brasil. Gente simples e famosa a procura de cura para seus males.
Casa da Cultura de Lorena
O solar do Conde Moreira Lima: exemplar arquitetônico do século XIX. O Solar Conde de Moreira Lima está diretamente ligado a história da cidade. Conhecer o Solar é descortinar as inúmeras preciosidades pertencentes a nossa identidade, um lugar merecido no cenário histórico e social da cidade. Sua grandiosidade e exuberância nos remete um rico período do Vale do Paraíba, e de embelezamento da cidade de Lorena. Estudar sobre ele é estudar sobre nossa própria História.
Seu nome era Joaquim José Moreira Lima Junior, filho de Joaquim José Moreira Lima e Carlota Leopoldina de Castro Lima. Seu pai era negociante e a habilidade de trabalhar com o comércio, é passado para o Conde, que desde cedo, a ele se dedicou, juntamente com seu pai. A família Moreira Lima era de grande prestígio em todo o Vale do Paraíba, com grande influência na elite social da época. Isso é claramente observado pelos títulos adquiridos pelo Conde: Barão em 1° de março de 1874, Visconde em 28 de abril de 1883 e Conde em 7 de maio de 1887. Era comendador da Imperial Ordem de Cristo e oficial da Imperial Ordem da Rosa. Conde de Moreira Lima foi o maior responsável pelas obras significantes e relevantes da cidade de Lorena.
A ele deve-se, dentre outras obras, o Colégio São Joaquim e a Igreja de São Benedito. No ano de 1867 seu nome já aparece como um dos fundadores da Santa Casa de Misericórdia, ocupando na primeira diretoria o cargo de secretário. Em 1875 iniciou a construção do belíssimo templo de São Benedito, o qual foi 1882, gastando do seu bolso boa quantia, além de várias e vultuosas esmolas. Para a construção da majestosa Matriz, também concorreu com boas quantias. A belíssima capela de N.S. do Rosário também foi construída a sua administração.
Em 1905, na qualidade de provedor da Santa Casa de Misericórdia, ao Conde de Moreira Lima coube a missão de dirigir e administrar a construção do Asilo e Casa dos Pobres de São José. Em 24 de Outubro casou-se com sua sobrinha D. Risoleta Moreira de Castro Lima, filha dos Barões de Castro Lima, com quem não teve filhos. Perdeu sua esposa em 6 de agosto de 1895. Em 1º de outubro de 1925 a carruagem com que viajava, ao atravessar o leito da linha férrea, nas mediações da rua 15 de novembro, foi apanhado pela máquina de um trem de passageiros, escapando milagrosamente da morte instantânea mas veio o a falecer em 2 de julho de 1926, legando a Santa Casa de Misericórdia a maior parte de sua fortuna.
A construção do Solar Conde de Moreira Lima Sua construção primitiva é em estilo neocolonial, caracterizado pela ausência de detalhes, como frisos, molduras, etc. A forma do casarão é quadrangular, feito em paredes de taipa que vão de 0,90 a 0,70 cm de espessura, paredes divisórias de pau a pique, conforme o costume. A frente dava para o Porto e a lateral para a antiga Rua Direita (atual Viscondessa de Castro Lima).
Sofreu sua primeira reforma no apogeu do café, feita em 1876 pelo Conde de Moreira Lima, momento em que a fachada externa, em estilo neocolonial passa a neoclássico. Isto é claramente observado através dos detalhes arquitetônicos do solar, caracterizados pelos frisos e detalhes que a ornamenta; nesse período são construídos a cozinha e os banheiros, cada um com uma banheira de mármore de Carrara. Foi acrescentada também, a escada e as grades laterais, em que se assentam duas cestas de flores e duas estátuas em estilo romano, todas de mármore de Carrara, ostentando dois lindos lampiões de bronze embutidos na parede. Em 1880 o arquiteto francês radicado em Pindamonhangaba, Charles Peyronton constrói o pavilhão em alvenaria para abrigar a esposa e as mucamas que a serviam.
O Solar tem dois andares, ambos com altas portas, sacada de mármores e grades de ferro. A fachada é de uma longa construção em U, com sacada larga e grades de mármore de Carrara. A parte baixa da Casa o Conde reservava para seu escritório e armazém, ali eram recebido as pessoas pobres da cidade, que a ele recorriam em busca de algum auxílio, sendo atendidos recebendo total atenção através da distribuição de remédios, alimentos e roupas. Transportava para a parte superior uma escada de peroba; o chão era de pedacinhos de madeira como Pau cetim, pau rosa e outros de várias cores formando um caprichoso mosaico.
A mobília era de carvalho com entalhes de estilo colonial; os vidros das janelas e portas eram blasonados, vindos da Europa com toda a tapeçaria. Esta parte era onde o Conde recebia a elite da época. “Neste solar, no distante século XIX, o referido Conde promoveu inolvidáveis festas e bailes, hospedou os mais expressivos vultos da nobreza imperial brasileira, destacando as visitas do Imperador Pedro II, de sua filha Isabel e o marido, Conde D’Eu.” (Documentos do Tombamento pelo CONDEPHAAT). Em seu diário, a Princesa Isabel diz ter o Palacete dos Moreira Lima beleza primorosa . Seu estilo exuberante denotava a fineza e conforto luxuoso dos fazendeiros do Vale do Paraíba.
A casa permaneceu fechada por algum tempo, depois serviu como Orfanato Santa Carlota, Instituto Santa Carlota, sede para então Ginásio Estadual “Arnolfo de Azevedo” juntamente com o Instituto Santa Tereza, a Escola SESI e atualmente abriga a Secretaria Municipal de Cultura “Péricles Eugênio da Silva Ramos”. Foi tombado pelo COMDEPHAAT, segundo publicação no “Diário Oficial do Estado” em 11 de outubro de 1975.
Com o conhecimento do prédio pode se perceber a necessidade de preservação e manutenção deste que pode ser considerado como um dos maiores patrimônios da cidade de Lorena. Sua importância esta relacionada a nossa identidade, a importância da cidade em um dos mais luxuosos momentos em que viveu o Vale do Paraíba, as festas solenes nela realizadas, o abrigo das maiores figuras do Brasil naquele momento. Sua importância também está relacionado a seu dono, o Conde de Moreira Lima, o maior benfeitor da cidade, sendo assim conservar o Solar é conservar a memória viva do personagem ilustre da cidade, assim como a manutenção de nossa história, para que filhos e netos da cidade possam conhecer a história de sua própria terra.
Fonte: Lugares de memória no roteiro do quadrilátero sagrado em Lorena. Autor: Francisco Sodero Toledo – Professor, pesquisador e historiador do Vale do Paraíba.
Fotos: Tata Cardoso e acervo Condephaat